terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sonetos

Torno a ver-vos, ó montes: o destino
Aqui me torna a pôr nestes outeiros,
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Corte, rico e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia
Que, da Cidade, o lisonjeiro encanto.

Aqui descanso a louca fantasia,
E o que até agora se tornava em pranto
Se converta em afetos de alegria.

Cláudio Manoel da Costa.


Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;

Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.

Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;

Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.
Cláudio Manoel da Costa.

Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.


Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!


Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.


Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!


Cláudio Manoel da Costa.

JÁ, MARFIZA CRUEL, ME NÃO MALTRATA


Já, Marfiza cruel, me não maltrata
saber que usas comigo de cautelas,
que inda te espero ver, por causa delas,
arrependida de ter sido ingrata. 

Com o tempo, que tudo desbarata,
teus olhos deixarão de ser estrelas;
verás murchar no rosto as faces belas,
e as tranças de ouro converter-se em prata. 

Pois se sabes que a tua formosura
por força há de sofrer da idade os danos,
por que me negas hoje esta ventura? 

Guarda para seu tempo os desenganos,
gozemo-nos agora, enquanto dura,
já que dura tão pouco a flor dos anos.
                                       
                                                                Basílio da Gama


O sono da razão produz monstros

            Francisco de Goya, El sueño de la razon produce monstruos

“A coruja tirânica que quer impor sua vontade ao artista é a razão narcísica do hiper-racionalismo. Os morcegos são as larvas e os fantasmas do irracionalismo. Dois animais deficitários, truncados. O morcego tem uma audição aguda, mas é cego. A coruja enxerga de noite, mas não de dia. Falta um terceiro animal na zoologia de Goya, mais completo. Não, não falta. Ele está no canto direito, enorme, olhando fixamente o espectador. É um gato. O gato ouve tudo e tem uma visão diurna e noturna. Sabe dormir e sabe estar acordado. E sabe relacionar-se com o Outro, sem arrogância, ao contrário do seu primo selvagem, o tigre, e sem servilismo, ao contrário do seu inimigo domestico, o cão. É a perfeita alegoria da razão dialógica, da razão que despertou do seu sonho, é atenta a todos os sons e todas as imagens, tanto do mundo de vigília como do mundo onírico, e conversa democraticamente com todas as figuras do Outro, sem insolência e sem humildade” (ROUANET, Sergio Paulo. A Deusa Razão. In: NOVAES, Adauto (Org.) A Crise da Razão. São Paulo: Companhia das Letras; Brasília, DF: Ministério da Cultura; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Arte, 1996, pp. 298-299)

O senhor e a senhora Andrews (


O senhor e a senhora Andrews (1748-49), Thomas Gainsborough, National Gallery

Et in Arcadia Ego


Et in Arcadia Ego, Nicolas Poussin, Musée du Louvre, Paris

CASA NO CAMPO


Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais

(Zé Rodrix e Tavito)



O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói pobre,
Como o maior Augusto.

(Tomás Antônio Gonzaga)

“Alguém há de cuidar que é frase inchada,
Daquela que lá se usa entre essa gente,
Que julga que diz muito e não diz nada.

O nosso humilde gênio não consente,
Que outra coisa se diga, mais que aquilo
Que só convém ao espírito inocente.

(Cláudio Manuel da Costa)

Que falta nesta cidade?

Que falta nesta cidade?.....................................Verdade
Que mais por sua desonra.................................Honra
Falta mais que se lhe ponha...............................Vergonha.

O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?...............................Negócio           
alívio
Quem causa tal perdição?...................................Ambição
E o maior desta loucura?....................................Usura.

Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos?......................Pretos
Tem outros bens mais maciços?..................................Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos? ........................Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.

E que justiça a resguarda? ....................................Bastarda
É grátis distribuída?..............................................Vendida
Quem tem, que a todos assusta?............................Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que EL-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.


E nos Frades há manqueiras?...................................Freiras
Em que ocupam os serões?......................................Sermões
Não se ocupam em disputas?....................................Putas.



Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?.............................................Baixou
E o dinheiro se extinguiu?........................................Subiu
Logo já convalesceu?................................................Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?.............................................Não pode
Pois não tem todo o poder?....................................Não quer
É que o governo convence?...................................Não vence.

Quem haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

(Gregório de Matos)


TRISTE BAHIA
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante. 


A ti trocou-te a máquina mercante,                         comerciar e modificar
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

 
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
            Ingredientes para remédios / estrangeiro

Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

                                                 (Gregório de Matos)



Pinta-se o amor sempre menino, porque, ainda que passe dos sete anos, como o de Jacó, nunca chega à idade de uso da razão. Usar da razão e amar, são duas coisas que não se ajuntam. A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afetos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febriciante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos pintores do amor lhe vendaram os olhos."

Padre Antonio Vieira


1.    Para o pregador, por que o amor nunca chega à idade do uso da razão ?


2.    Este sermão pode ser considerado como um texto



a)     épico
b)    dramático
c)     argumentativo
d)    narrativo
e)    lírico




3.    Nesse fragmento se evidencia um dos aspectos mais marcantes da arte barroca – o jogo de contrastes. Explique como isso ocorre no texto.


4.          No texto, afirma-se: “Pinta-se o amor sempre menino ...” A qual divindade corresponde essa imagem do amor-menino?



5.          Por que, segundo Vieira, Cupido é sempre menino?


6.          Qual a tendência estilística do Barroco mais evidente no texto, cultismo ou conceptismo? Por quê?

Discreta e formosíssima Maria,


Discreta e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

(Gregório de Matos)


Na oração que desaterra.......................aterra
Quer Deus que a quem está o cuidado....dado
Pregue que a vida é emprestado..........estado
Mistérios mil que desenterra...............enterra

Quem não cuida de si, que é terra.............erra
Que o Alto Rei, por afamado.................amado
E quem lhe assiste o desvelado.................lado
Da morte ao ar não desaferra.................aferra

Quem do mundo a mortal loucura.............cura
A vontade de Deus sagrada...................agrada
Firmar-lhe a vida em atadura....................dura

Ó, voz zelosa, que dobrada.......................brada
Já sei que da formosura............................usura
Será no fim dessa jornada..........................nada

(Gregório de Matos)

As vaidades da vida humana


As vaidades da vida humana, Harmen Steenwyck, óleo sobre maderia, National Gallery, Londres



1.    O objeto que se vê na parte central do quadro é uma lâmpada que acabou de se apagar, o que representa a efemeridade, a brevidade da vida. Que outro objeto representa essa mesma ideia?

2.    Essa pintura tem aspecto predominantemente claro ou escuro?


3.    O que representa a luz que vem do plano superior e que incide sobre os objetos mergulhados na escuridão?

4.    Qual a “moral”, ou seja, o ensinamento que a obra nos passa?